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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Como há 150 anos...

Chegara de facto ali o Sr. Joãozinho das Perdizes, à frente da sua freguesia.
Leitor, se tens, como eu, esperança e sincera fé no sistema representativo, perdoa-me o obrigar-te a assistir a uma cena que faz subir a cor ao rosto de quem, como nós, abençoa os sacrifícios por cujo preço nossos pais nos compraram a nobre regalia de intervir, como povo, na governação do Estado, as franquias que nos emanciparam da caprichosa tutela de um homem, revestido de direitos impiamente chamados divinos, contra os quais o instinto e a razão igualmente se revoltam. A cena, porém, humilhante como é, não envolve a mínima censura à excelência do sistema; mas apenas aos que nos quarenta anos que ele quase tem de vida entre nós, não souberam ou não quiseram ainda fazer compreender ao povo toda a grandeza da augusta missão que lhe cabe executar.
Depois das nossas lutas civis, já muitas crianças se fizeram homens; se a escola fosse entre nós o que devia ser, já haveria sobra de eleitores com perfeita consciência dos seus direitos civis.
O atraso e ignorância deles, contristando, somente devem impelir os homens de intenções sinceras e puras a aplicar os esforços de inteligência e de acção para ministrar com a educação a moralidade, e para acordar a consciência desta entidade social.
Era o Sr. Joãozinho das Perdizes à frente da sua freguesia, disse eu.
E é justamente este o espectáculo humilhante de que falava.
Tendes visto um guardador de cabras à frente do seu rebanho, conduzindo com acenos e assobios todas as barbudas cabeças daquele regimento quadrúpede? Pois vistes o mais perfeito símile da cena que se presenciava agora no adro da igreja matriz.
O povo, o povo soberano, que naquele dia tinha nas mãos o ceptro da sua soberania, não era menos dócil do que os irracionais que recordamos.
O dia em que devia mostrar-se orgulhoso, era quando mais se humilhava; quando podia dispor dos destinos dos seus senhores, era quando mais vergava a cabeça sob o peso que estes lhe assentavam.


(Júlio Diniz, "A Morgadinha dos Canaviais", 1868)

1 comentário:

Paulo Costa disse...

que lindo... Sá, essa é de mestre...